Prostituição em Rhythm and Poetry

Seguindo a tradição das periferias e favelas de grandes cidades, a expressão dos sentimentos de revolta através da música também está presente quando o assunto é prostituição. Neste contexto, quem dá voz ao ativismo é Nega Gizza, no ritmo mais usado para estruturar a indignação: o Rap.
Irmã do renomado rapper MV Bill, Nega Gizza nasceu na favela do Parque Esperança, no subúrbio do Rio de Janeiro. Ela surge num cenário marcado pela participação quase exclusiva de homens: foi a primeira locutora de uma rádio voltada ao Rap, a Imprensa FM, no programa Hip Hop Brasil. Além disso, venceu o Hutus Rap Festival – o mais importante prêmio do rap na América Latina – na categoria “melhor demo de rap”.
Gizza é também fundadora e tesoureira de uma grande organização dedicada ao hip hop, chamada CUFA (Central Única das Favelas). Seu primeiro CD conta com um time de primeira na produção: Zégonz (o DJ Zé Gonzalez, do Planet Hemp, que também trabalhou com Xis), DJ Luciano, Dudu Marote (dono do selo Muquifo Records), MV Bill (seu próprio irmão), Gustavo Nogueira e Daniel Ganja Man (do coletivo Instituto, de São Paulo). Nega Gizza vem mostrar, em Na Humildade, lançado em 2001, que as mulheres também podem ter espaço num mercado dominado por rappers do sexo masculino; e sua voz forte e negra pode abrir os caminhos para toda uma nova geração de rappers femininas.
O que chama atenção no disco, além do time de peso que compõe a produção, é o cunho politizado das letras, que vão desde críticas a Antônio Carlos Magalhães e José Sarney (logo na primeira faixa, batizada Filme de Terror), até um relato do cotidiano das mulheres marginalizadas na prostituição.
Prostituta foi a primeira música de trabalho do disco, marcando, logo de cara, não apenas a intenção polêmica dessa nova artista mas também a capacidade de obter um resultado original e comprometido no cenário musical. Segundo o crítico musical Marco Antônio Basbosa, Na Humildade é “um disco de hip hop brasileiro no qual a força dos versos se equilibra com a parte musical. Intervenções eletrônicas na medida exata misturados a instrumentos de verdade, scratches e, acima de tudo, uma disposição de variar climas e ambiências a cada faixa. Viesse com vocais em inglês, passaria fácil por um chique trip hop, ou algo saído da nova escola rhythm'n'blues - dada a fluência com a qual Gizza apropria-se de diversas influências da música negra de ontem e hoje, mescladas a um hip hop injetado de melancolia.”
A música ainda faz parte da coletânea dupla Comp 01. – Orgânico/Sintético, também da Muquifo Records, que junta artistas com um arsenal não menos equipado do que o da cantora.
Segue abaixo a polemica composição que deu a Nega Gizza o status de revelação do Rap:
Prostituta
Ontem ví um anúncio no jornal
Vi na tv, no outdoor e em digital
Pediam mulheres com corpo escultural
Pra dar prazer a homens, mulheres e até casal
Mas, na real, o que eu quero é ser artista
Dar autógrafos, entrevista ser capa de revista
Quero ser vista bem bonita na televisão
Rolé de carro e não mais de camburão,não
Tô deprimida nesse ambiente de desgraça
Traficantes, parasitas, viciados psicopatas
Um baseado pra afastar essa fadiga
Dessa noite sedentária de orgia e mal dormida
Não choro mais, sei que me perdi
Tô consciente, o meu destino eu escolhi
Das pragas sociais sou a pior
Cocorococó, eu sou o efeito dominó
O lenocínio ofusca, induz,coage, atraí
O marinheiro aventureiro sorrateiro desembarca e cai
Sou de quem me vir primeiro
Sou a ausência do amor com a presença do dinheiro
Sou puta sim
vou vivendo meu jeito
Prostituta atacante
vou driblando o preconceito
Os crentes dizem que vendo a alma pro capeta
Sei muito bem que não sou mais mulher direita
Não sei se é certo, mas faço parte do bordel
Um redevú, que mais parece a torre de babel
Sinto os sintomas da fadiga no meu corpo
Mais sedativos aliviam as conseqüências desse aborto
A perversão deixa profundas cicratizes
Em desespero já tentei vários suicídios
Quem me vê aqui, sorri assim tão inocente
Não percebe a malícia da serpente
Dou mais um dois e alivio essa tensão,ou não?
Na madrugada toda puta é a imagem do cão,ou não?
Sem carteira vou guiando, sentido contra mão
Artigo cinco nove lei da contravenção
Vou despertando a libido de um velho ou de um menino
Considerada aqui na zona a rainha do erotismo
Sto agostinho é meu santo protetor
Contradição é minha marca na reza e na dor
Sou o retrato três por quatro desse povo brasileiro
Sou a ausência do amor com a presença do dinheiro
Sou puta sim
vou vivendo meu jeito
Prostituta atacante
vou driblando o preconceito
Ser meretriz triste e feliz, codinome vagabunda
Entre o mal e o bem vou deixar de ser imunda
Você acha que é falta de moral.
Promiscuidade
Excessiva
Seja puta dois minutos e sobreviva
Tenho sonho, amor e vaidade
Um téco ajuda suportar a enfermidade
As famílias me odeiam por causa da luxúria
Mas só vendo a minha carne, e meu carinho aquem
Procura
Entre logo, feche a porta meu cliente
Tire a roupa lave o sexo, tome a pasta escove o dente
Não pense no pecado, tenha decisão
Sou seu vídeo game, ligue aqui nesse botão
Goze logo o tempo é curto o preço é justo
Outros homens me esperam vá sem susto
A policia é apenas nosso risco
A justiça é apenas nosso cisco
A necessidade me leva a sobrevivência
A miséria me leva a indecência
As duas à loucura, intenso devaneio
Sou a ausência do amor com a presença do dinheiro
Sou puta sim
vou vivendo meu jeito
Prostituta atacante
vou driblando o preconceito
Sou prostituta na boca do povo conhecida como puta
Obrigada a conhecer as posições do kama sutra
Se meu filho chora sou eu, a mãe que escuta
Meu deus desculpa, não tenho culpa só fui a luta
Não sei se tenho o valor que mereço
Mas pra deitar comigo tem um preço
Pela minha mãe pelo meu filho tenho muito apreço
Foi num prostíbulo que achei meu endereço
Não me orgulho mas me assumo, menos mal
Quem roda bolsa ou faz programa, pra mim é tudo igual
Das cinzas as cinzas, do pó ao pó
Sem dó, os meganhas chegam o tempo fica bem pior
Vem dí menor, vem comigo no xilindró
Estar em casa com meu filho agora seria bem melhor
Não estou só, tenho deus comigo
Mas corro o risco de deitar com o inimigo
Bate o sino, meu filho deve tá dormindo
Enquanto eu inicio a vida sexual de um menino
os dezesseis só curtição, pensava em nada
Hoje aos 23 neurose a mil só transo angustiada
Aos 33 quem sabe velha e arrependida
Aos 43 só no esqueleto recordo a vida
Minha puta vida
Reflete o desespero
Sou a ausência do amor com a presença do dinheiro
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